Tempos
difíceis pra mim. Ninguém compreende o que passo em casa, dia após dia.
Ninguém compreende o que digo. Engulo doces e, cada vez mais, meus ataques de ansiedade pioram. Estou ficando
gordo e, logo, serei um velho-virgem. Nenhuma mulher me quer. Eu não quero
nenhuma mulher. Terei mesmo que perder a virgindade com uma mulher experiente
para “aprender a ser homem”? Irei ao cabaré mais caro da cidade e gastar um dinheiro
inútil com uma qualquer, sem valor pra mim? Não quero isso. Não quero ser
olhado como se eu fosse um coitadinho pelo resto da minha vida. Meus pais não
me aceitam mais como filho. Meu irmão mais velho passa por mim na rua e finge
que nem me conhece. Minha irmã age como se tudo fosse indiferente. Suporto e carrego minhas dores sozinho. Ninguém se importa
em perguntar nada para o pobre e coitado adolescente gordo gay mesmo. Não posso
gritar... Apedrejar-me iriam, alegando minha insanidade ou apenas diriam que é “normal
da idade” achar que sou incompreendido. Não tenho piedade de mim mesmo, porque
os outros teriam? Um pobre condenado, é isso o que eu sou.
Sei que tem um bolo em cima da pia da cozinha e também sei que preciso comê-lo. Aquela cobertura deliciosa de chocolate, ainda morna, hm.. Não! Não posso. Estou ficando cada vez mais gordo. Ninguém vai querer olhar para um gay gordo e velho. Tenho que preservar a minha imagem enquanto posso. Tenho que pensar em outra coisa. Não naquele maravilhoso e delicioso bolo... Ok, preciso só olhar pra ele. Prometo a mim mesmo que não irei comê-lo.
Sei que tem um bolo em cima da pia da cozinha e também sei que preciso comê-lo. Aquela cobertura deliciosa de chocolate, ainda morna, hm.. Não! Não posso. Estou ficando cada vez mais gordo. Ninguém vai querer olhar para um gay gordo e velho. Tenho que preservar a minha imagem enquanto posso. Tenho que pensar em outra coisa. Não naquele maravilhoso e delicioso bolo... Ok, preciso só olhar pra ele. Prometo a mim mesmo que não irei comê-lo.
Levantei da cama, hesitante, e saí caminhando escada a baixo. Parei na porta. Olhei para o relógio de parede que ficava em cima da geladeira,
marcava cinco da tarde. Logo, meus pais iriam ao campeonato idiota de rugby do,
meu irmão, Gabriel. Olhei para a janela e estava chovendo lá fora. Permaneci refletindo sobre as gotas da chuva que escorriam do inicio até o final do engordurado vidro.
Os céus choravam... Ora destruíam, ora limpavam tudo em seu
caminho. Senti-me confortável com aquela situação. Senti que eu era apenas mais
uma gota no meio de tanta chuva. Desisti do bolo, sem sequer olhá-lo, e saí. Saí em direção à chuva,
sem me importar com a gripe que pegaria mais tarde. Caminhei, caminhei e
caminhei até chegar a uma pracinha infantil esquecida por culpa do tempo. Sentei-me na areia. A chuva
parecia querer me aliviar, limpando-me de todo o mal. Confortando-me quanto a tudo o que
eu estava passando. Aqueceu-me, fazendo com que eu me sentisse desejado naquele
lugar. Estava tão frio que eu tremia e batia o queixo. Mas o calor que eu
sentia não era externo. Comecei a chorar. Sem demora, meu silêncio líquido se
juntou à chuva. Há muito tempo que não me sentia tão bem como ali. Era ali que
eu deveria estar. Ali era o meu lugar. Na chuva, na pracinha, pedindo aos céus
para chorarem mais, para que me libertassem. A chuva externa foi cessando e o
temporal interno se acalmando. Senti-me mais livre do que nunca. Levantei,
cheio de energia, com o peito inflado, cabeça erguida e... Atchim! “Droga” –
pensei. “Vão me matar. Estúpido, burro, gordo, bicha, idiota..” – aquela
sensação de insegurança misturada a autodestruição já era comum pra mim.
Tapeei-me no rosto com raiva. Desejei que chovesse externamente pra sempre. Saí
correndo dali. Entrei em casa e desejei me teletransportar pro andar de cima.
Mas isso não iria acontecer. A parada – que eu temia - antes do chuveiro, fora
na cozinha. Engoli toda aquela figura achocolatada que esperava pelo meu
retorno, em cima da pia. Corri para o andar de cima e joguei tudo de volta na
privada. Novamente, me senti aliviado. Encostei-me na parede do banheiro, jogado de
um jeito qualquer, e adormeci pensando. Devo ter adormecido por uns cinco ou,
talvez, quarenta minutos. Não sei ao certo. Ninguém havia notado minha falta
durante esse tempo, mas vi que já era noite e todos já deveriam estar assistindo Gabriel "O Másculo Musculoso" jogar.
Levantei e tomei aquele maldito banho esquentado por placas solares
sofisticadas.
O tempo
parecia se arrastar. E a minha vida, só piorava a cada arrastada de minuto. Minha
cabeça doía. Não, não era por causa da gripe... Era consciência mesmo. Minha
consciência costumava pesar antes de jantar. Antes, durante e depois, para ser
sincero. Minha mãe gritava frenética na ponta da escada coisas como “Seu
inútil, não vem ainda! Seus irmãos têm que comer antes que você termine com
tudo!!” ouvi as risadas abafadas do meu pai e irmão. Minha irmã nunca achava
graça em nada do que eles faziam comigo e, sempre, me perguntei por quê. Óbvio
que não nos falávamos. Mas eu gostava de imaginá-la me protegendo dessa família
de sangue.
(continua)