domingo, 8 de julho de 2012

Atormentação

“Ninguém sabe como é ser o homem mau, o homem triste atrás dos olhos azuis...” disse a música que tocava pela milésima vez no meu celular.
Tempos difíceis pra mim. Ninguém compreende o que passo em casa, dia após dia. Ninguém compreende o que digo. Engulo doces e, cada vez mais, meus ataques de ansiedade pioram. Estou ficando gordo e, logo, serei um velho-virgem. Nenhuma mulher me quer. Eu não quero nenhuma mulher. Terei mesmo que perder a virgindade com uma mulher experiente para “aprender a ser homem”? Irei ao cabaré mais caro da cidade e gastar um dinheiro inútil com uma qualquer, sem valor pra mim? Não quero isso. Não quero ser olhado como se eu fosse um coitadinho pelo resto da minha vida. Meus pais não me aceitam mais como filho. Meu irmão mais velho passa por mim na rua e finge que nem me conhece. Minha irmã age como se tudo fosse indiferente. Suporto e carrego minhas dores sozinho. Ninguém se importa em perguntar nada para o pobre e coitado adolescente gordo gay mesmo. Não posso gritar... Apedrejar-me iriam, alegando minha insanidade ou apenas diriam que é “normal da idade” achar que sou incompreendido. Não tenho piedade de mim mesmo, porque os outros teriam? Um pobre condenado, é isso o que eu sou.
Sei que tem um bolo em cima da pia da cozinha e também sei que preciso comê-lo. Aquela cobertura deliciosa de chocolate, ainda morna, hm.. Não! Não posso. Estou ficando cada vez mais gordo. Ninguém vai querer olhar para um gay gordo e velho. Tenho que preservar a minha imagem enquanto posso. Tenho que pensar em outra coisa. Não naquele maravilhoso e delicioso bolo... Ok, preciso só olhar pra ele. Prometo a mim mesmo que não irei comê-lo.
Levantei da cama, hesitante, e saí caminhando escada a baixo. Parei na porta. Olhei para o relógio de parede que ficava em cima da geladeira, marcava cinco da tarde. Logo, meus pais iriam ao campeonato idiota de rugby do, meu irmão, Gabriel. Olhei para a janela e estava chovendo lá fora. Permaneci refletindo sobre as gotas da chuva que escorriam do inicio até o final do engordurado vidro. 
Os céus choravam... Ora destruíam, ora limpavam tudo em seu caminho. Senti-me confortável com aquela situação. Senti que eu era apenas mais uma gota no meio de tanta chuva. Desisti do bolo, sem sequer olhá-lo, e saí. Saí em direção à chuva, sem me importar com a gripe que pegaria mais tarde. Caminhei, caminhei e caminhei até chegar a uma pracinha infantil esquecida por culpa do tempo. Sentei-me na areia. A chuva parecia querer me aliviar, limpando-me de todo o mal. Confortando-me quanto a tudo o que eu estava passando. Aqueceu-me, fazendo com que eu me sentisse desejado naquele lugar. Estava tão frio que eu tremia e batia o queixo. Mas o calor que eu sentia não era externo. Comecei a chorar. Sem demora, meu silêncio líquido se juntou à chuva. Há muito tempo que não me sentia tão bem como ali. Era ali que eu deveria estar. Ali era o meu lugar. Na chuva, na pracinha, pedindo aos céus para chorarem mais, para que me libertassem. A chuva externa foi cessando e o temporal interno se acalmando. Senti-me mais livre do que nunca. Levantei, cheio de energia, com o peito inflado, cabeça erguida e... Atchim! “Droga” – pensei. “Vão me matar. Estúpido, burro, gordo, bicha, idiota..” – aquela sensação de insegurança misturada a autodestruição já era comum pra mim. Tapeei-me no rosto com raiva. Desejei que chovesse externamente pra sempre. Saí correndo dali. Entrei em casa e desejei me teletransportar pro andar de cima. Mas isso não iria acontecer. A parada – que eu temia - antes do chuveiro, fora na cozinha. Engoli toda aquela figura achocolatada que esperava pelo meu retorno, em cima da pia. Corri para o andar de cima e joguei tudo de volta na privada. Novamente, me senti aliviado. Encostei-me na parede do banheiro, jogado de um jeito qualquer, e adormeci pensando. Devo ter adormecido por uns cinco ou, talvez, quarenta minutos. Não sei ao certo. Ninguém havia notado minha falta durante esse tempo, mas vi que já era noite e todos já deveriam estar assistindo Gabriel "O Másculo Musculoso" jogar. Levantei e tomei aquele maldito banho esquentado por placas solares sofisticadas.


O tempo parecia se arrastar. E a minha vida, só piorava a cada arrastada de minuto. Minha cabeça doía. Não, não era por causa da gripe... Era consciência mesmo. Minha consciência costumava pesar antes de jantar. Antes, durante e depois, para ser sincero. Minha mãe gritava frenética na ponta da escada coisas como “Seu inútil, não vem ainda! Seus irmãos têm que comer antes que você termine com tudo!!” ouvi as risadas abafadas do meu pai e irmão. Minha irmã nunca achava graça em nada do que eles faziam comigo e, sempre, me perguntei por quê. Óbvio que não nos falávamos. Mas eu gostava de imaginá-la me protegendo dessa família de sangue. 


(continua)